terça-feira, 22 de abril de 2008

Roberto Piva: 1968, uma coisa de elite

Roberto Piva era um grande poeta aos 22 anos. Paulista, odeia São Paulo, mas descreve a cidade como ninguém. “Detesto São Paulo. Não moro num sítio porque não tenho dinheiro”. A acidez do poeta, que estava sempre expressa em seus poemas, ainda é muito presente. Entretanto, o peso das opiniões contrasta com a postura tranqüila de quem parece um avô. Ligado ao Xamanismo
Piva fez parte de um grupo muito especial da literatura brasileira. Viu uma série de transformações e falou de tudo isso dentro da poesia marginal. Durante a ditadura militar, era um jovem ativo, crítico, mas sem lugar. “Ficamos isolados entre a direita e a esquerda”, diz. 40 anos depois, o poeta fala de do ano 1968, das manifestações e A.I. 5. E afirma: nossa esquerda era fascista e limitada.

Pensando em 68 hoje, como você vê aqueles acontecimentos aqui e na França?
Maio de 68 na França foi bem diferente daqui. Lá eles se rebelaram contra a esquerda tradicional também – eram contra todo mundo. E aqui foi atrelado ao movimento de esquerda.
Aqui não teve essa consciência cósmica, grandiosa, universal, globalizada como aquilo que acontecia na França. Aqui, as manifestações foram atreladas ao modelo cubando desse assassino que é o Fidel Castro, como uma espécie de karma - não conseguíamos sair desse paradigma de esquerda estalinista. Aqui, tivemos um movimento de esquerda fascista, fascistas vermelhos, extremamente limitados. E que acabou não decolando, não levantava vôo. Não foi uma coisa de massa.
De qualquer forma, 68 abriu um processo de reavaliação de partido comunista, de tudo isso. Pasolini tinha razão quando disse que quando os estudantes enfrentam a polícia, o povo é polícia. Concordo totalmente com ele. Maio de 68 na França foi uma revolução contra a sociedade. Não estive lá, mas tinha informação de amigos conheciam o país, e muito pelos jornais, apesar da censura que existia.

Mas não foi um movimento importante para o país?
Teve importância para jornalista, pessoas de esquerda, mas não foi universal. Aquela coisa “o povo unido jamais será vencido”, um paradigma limitado. No Brasil, não tivemos uma consciência cósmica, ecológica, ou que abrangesse outros aspectos da vida.

Quando começaram as manifestações vocês já sentiam que aquilo seria tão importante historicamente?
Não sei, não sou um “sessenteioteiro”. Acho que 68 é uma merda. Houve o condicionamento ao Fidel Castro, Viva Cuba, e as pessoas que fizeram parte daquilo estão aí até hoje. O Zé Dirceu, por exemplo: hoje está roubando, mas antes estava falando. Agora já partiu das palavras para a ação e a ação deles é enfiar dólar na cueca.
Mas foi um movimento relevante. Era revolta contra o sistema militar que não dava certo, era obtuso. Mas a esquerda não deixava por menos também a obtusidade.

Como você participou dessas manifestações?
Fizemos passeatas, participamos o tempo todo, e alguns da minha turma foram presos. Sempre alguém avisava quando ia ter passeata, algumas até a imprensa difundia. A maior delas foi a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, quando mataram um estudante.
Mas no fundo 68 foi um engodo, uma coisa de elite. Os filhos mimados da mídia. As participação do Cláudio Willer, minha e de outras pessoas foi diferente, não compactuávamos com nenhum dos lados, ficamos isolados entre a direita e a esquerda.

Os protestos tinham a intenção de promover uma mudança de comportamentos. Essa mudança ocorreu?
Essa mudança foi mais na França, aqui era tabu na esquerda. porque a esquerda sempre foi fechada. Há um poema aqui [terceiro livro com a obra reunida de Piva], que representa bem 1968, em que digo que as pessoas aqui no Brasil entram em partidos políticos para servir de capacho, enquanto na Europa, entram para esculhambar*

Como teria sido o tipo de manifestação ideal aqui no Brasil?
Como sou anarco-monárquico, acho que o exército devia parar no 7 de setembro, pedir desculpa para a família real e empossá-la de novo no poder. Acho isso porque sou monarquista. Como anarquista, gostaria que tivesse muita manifestação contra o estado. Ninguém tocava no estado, queriam que trocassem o estado dos militares pelo estado de Fidel Castro, que é militarizado, criminoso - leva as pessoas ao paredão. E esse homem está a quarenta anos no poder e não sai mais. A múmia dele vai ficar lá.

68 também foi o ano do A.I. 5. Como você reagiu ao Ato?
Senti muito pelo ambiente fechado que se criou, pela falta de liberdade. Os militares ficavam num filme de faroeste com aqueles que criticavam a ditadura, solta bomba aqui, solta ali... Não havia mais espaço de verdade.
Éramos muito unidos, porque debaixo da ditadura, havia um espaço conquistado pela liberdade individual de cada um.

Você ficou sem escrever por muito tempo. Por quê?
Preferi viver.

Intelectual brasileiro entra
em partido político pra lavar chão.
pra ser Devoto. Pasolini entrou em
partido político pra criticar,
pra esculhambar.
os poetas deixaram de ser bruxos
pra serem broxas.
fantasmas-eunucos deste teatro
de Sombras que é a
sociedade Industrial,
bibelôs de consumo devidamente
etiquetados & vacinados
contra a Raiva.
a nossa viagem xamânica começa
agora:
para as praias desertas & florestas
do mundo, rumo ao centro da Terra
cidade lúcida & quente.

2 comentários:

Anônimo disse...

Essa parte que ele fala que é monarquista é de verdade mesmo ou foi coisa da sua imaginação?

=p

Ana Brambilla disse...

Oi Tainá! Que ótima essa entrevista!

Sobre aquele trecho da poesia, que achas de levares a cabo a idéia de publicar isso em áudio, na voz do Piva?

Encontrei um lugar bacana para fazer isso, indicação da Luiza Calandra até...

http://www.mixwit.com/

beijo!

 
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