quarta-feira, 25 de junho de 2008

Livro-objeto


O que você compraria com 750 libras? (Ou, para quem não sabe a cotação de cor, aproximadamente 2370 reais -- isso com a taxa de câmbio de hoje, a libra valendo R$3,15).

Você poderia ter comprado uma edição limitada de The Devil May Care, o novo livro do James Bond, escrito por Sebastian Faulks. Foi publicado pela editora Penguin, mas o toque final foi da Bentley, que fabrica os carros do Bond. Cada um dos trezentos livros vinha em uma capa especial de couro italiano, feito no mesmo lugar que fornece couro para o interior dos carros da Bentley. E de brinde, ainda vinha uma miniatura do Bentley R, carro que aparece em Thunderball e On Her Majesty’s Secret Service – na verdade, esse carro nunca existiu, então as miniaturas foram baseadas nas descrições do Ian Fleming, criador do 007.

E você ainda teria lucrado! Algumas semanas depois, já havia gente vendendo a mesma edição por 3500 dólares, mais do que o dobro do valor original.

Mas as extravagâncias literárias não param por aí. No ano passado, era possível comprar o livro Dancing with the Bear, de Roger Shashoua por 3 milhões de libras. Na capa, 600 diamantes. O título estranho não explica o livro, que é sobre como o autor se tornou milionário na Rússia. Engraçado é pensar que quem dispõe de mais de 9 milhões de reais precise de dicas sobre negócios.

Os mortais como eu talvez cheguem à mesma conclusão: isso está me cheirando a tática de editora. E tática muito boa, alias para a situação atual das editoras, que a cada dia tem de lidar com uma concorrente cada vez mais forte: a internet. Tudo bem que pouquíssimos podem comprar edições tão caras como essas duas que citei, mas a idéia de transformar o livro em um objeto de coleção, ou torna-lo cada vez mais único é interessante. Ao menos para concorrer com os livros que podem ser impressos, por exemplo, do domínio público ou no GoogleBooks.

domingo, 22 de junho de 2008

Leituras ecológicas

Los Inocentes: este é o nome do livro de Oswaldo Reynoso, de onde o projeto argentino Eloísa Cartonera extraiu e publicou os contos Cara de Ángel e Carambola. Ambos os títulos fazem alusão a personagens presentes na obra, que tem como tema principal o universo infanto-juvenil. São cinco contos no total. Sexo, anseio pela independência e a necessidade de firmar-se como “hombre muy macho” são as principais preocupações de Corsário, Natkinkón, Príncipe, Cara de Ángel, Calorete, Chino, Rosquita e Carambola.

Los Inocentes
foi lançado em 1961, no Peru, e causou grande escândalo na época. Oswaldo Reynoso, igualmente peruano, era professor do primário e as autoridades ligadas à educação do país não gostaram de ler meninos falando “gírias de rua” como adultos. Por isso, Reynoso quase foi impedido de continuar a carreira docente. Em Cara de Ángel, por exemplo, o protagonista homônimo usa o termo “vieja” para se referir à mãe e “pendejo”, “cochino”, “arrecha” (imbecil, porco trapaceiro e mulher apaixonante e sensual, respectivamente, em português), dentre outros nomes, para se designar aos colegas. Mas a descrição do universo imagético dos personagens, bem como a mistura da narração do autor com a do próprio personagem principal trazem ao texto a leveza e inocência necessárias para equilibrar os contos da obra.

Cara de Àngel é um menino franzino que sofre com a perseguição do colega de mesma turma, Colorete. Outra perturbação são as implicações constantes da mãe para com ele e o desejo que tem pelas colegas de classe, Gilda e Yuni. Através dos fluxos de consciência do personagem Oswaldo arremata a inocência infantil presente nos meninos que insistem agir como homens. “El semáforo es caramelo de mento: exquisitamente. Ahora, rojo: bola de billar suspendida em ela ire”.

Em certas passagens, a opção sexual é posta em xeque e, muito embora meninas sejam citadas ao longo da fábula, o autor joga nas mãos do leitor a responsabilidade e preocupação sentida pelos garotos ao se questionarem sobre o assunto: “(...) Los ojos de Colorete ya no tienen fúria, tienen um brillo estraño que asustan. Es el mismo brillo y la misma ansiedad que vio en los ojos de Gilda la noche que casi le toca las piernas. Cara de Ángel siente miedo desconocido y oscuro. Hay um vacío vertiginoso en el estómago, como si se estuviera em el último piso del Ministerio de Educación y el asfalto negro de la calle atrajera, irresistiblemente. Desesperadas las manos se prenden al pasto y grita. – Estás armado, mostacero de mierda! Déjame” – o autor descrevendo as impressões que Cara de Ángel tem com relação Colorete durante uma briga.

Na seqüência organizada pela edição compactada de Eloísa Cartonera: o conto Carambola. Neste, um garoto, também homônimo ao título, toma conselhos com seu admirador – um senhor jogador de sinuca chamado Choro Plantado.

Por ter menos que 18 de anos, Carambola aguarda na porta do bar o ansião terminar a partida, para convidá-lo para uma cerveja num outro local. Depois de questionamentos e trocas de conselhos, cada qual retoma seu caminho para casa, e, a história que poderia terminar com a maturidade do menino como pano de fundo é derrubada pelo monólogo de Choro Plantado: “Casi todas las chelfas son iguales. Pobre Carambola! Si supiera que su tal Alicia es más puta que una gallina. Todas lãs gilas son igualitas. Pobre Carambola!”. E assim, o garoto que aparentava ser maduro é desmascarado pela desilusão amorosa prevista pelo senhor, por conta do excesso de confiança que Carambola deposita na paixão por uma menina, que jura ser pura. Oswaldo mostra para o leitor que o personagem ainda é uma criança inocente.

Conforme citado no começo desta resenha, os textos sugeridos além de fazerem parte do livro Los Inocentes, de Oswaldo Reynoso, também estão em edição especial feita pelo projeto Eloísa Cartonera. Na versão deles a obra é intitulada apenas como “Cara de Ángel” e somente os dois contos comentados é que estão presentes – suficientes para conhecer o universo de Reynoso.

Novamente fazendo gancho com outra passagem minha, num post anterior, eu havia comentando sobre a versão brasileira do Eloísa Cartonera. Pois bem, Dulcinéia Catadora também publicou Cara de Ángel - com esta mesma grafia. Agora, Eloísa tem 101 livros em catálogo e Dulcinéia, 34.

Mais detalhes sobre os projetos: Elô ; Dulce

Lições a leitores de obras latinoamericanas

Até o momento não consegui meu exemplar de Salão de Beleza, do mexicano Mario Bellatin. Mas consegui o seu Lecciones para una liebre muerta (Barcelona: Editorial Anagrama, 2005).

Apesar de Lecciones ainda não ter sido editado em língua portuguesa, estou tentando resenhá-lo.



Salão de Beleza, que fica para uma próxima.

Abaixo, Mario Bellatin é entrevistado após ganhar prêmio de literatura no México, em fevereiro deste ano.

sábado, 21 de junho de 2008

O búfalo da noite sonha conosco

Aí vai a resenha:


O mexicano Guillermo Arriaga tem cinqüenta anos e é um dos expoentes do novo cinema ou da nova literatura latino-americana dos anos dois mil. Ele não se classifica como roteirista, mas sim como “escritor de cine”, sendo premiado pelos filmes “Amores Brutos”, “21gramas” e “Babel”.

Pratica a caça de animais desde os doze anos, e, segundo ele, o contato com a morte age como fundamento para entender e valorizar a vida. Talvez por isso suas histórias tenham denominadores comuns, como a presença ou os vestígios da morte na vida, usando como suporte experiências pessoais do próprio autor.

Sobre suas histórias – e algumas se tornaram mais célebres como filmes -, Arriaga é autor de “Escuadrón Guillotina”, “Um dulce olor a muerte” e “El Búfalo de la Noche”, livro sobre o qual tratará este comentário.

Em “El Búfalo de la Noche”, Manuel Aguilera é um jovem ordinário de classe média da Cidade do México, mas poderia ser de São Paulo ou também de Buenos Aires. É independente e intempestivo, mas constantemente se vê em conflito com sua consciência. Seu bíceps esquerdo é riscado por cicatrizes, fruto do esforço de apagar uma tatuagem preterida, sob a forma de um búfalo.

Já Gregório é louco, esquizofrênico, chamado de “o Rei Midas da destruição”, mas também seu melhor amigo, tendo a mesma tatuagem conservada em seu braço, como forma de materializar e reforçar o pacto com Manuel. Gregório está à beira de suicidar-se. Sonha com “lacrainhas” que consomem suas entranhas e sua mente enquanto se deita, e teme o momento em que o Búfalo da Noite virá buscá-lo. Dois dias após ter alta da clínica, recebe a visita de Manuel e cumpre o desejo suicida. Morre já na terceira página, mas mesmo morto, continua a ser figura presente na vida dos que ficaram.

Além da amizade, um coração une os dois amigos. Tânia fora namorada do jovem internado em clínicas psiquiátricas, mas agora ama o livre Manuel, sob o sentimento de culpa a traição. A garota é misteriosa, independente e cativante – tem o dom típico das mulheres, de conseguir o que quer à sua maneira.


É a história de um triângulo amoroso envolvido pela culpa e pela traição, sobre o drama psicológico da juventude, regado à irresponsabilidade e ciúme. Arriaga acertou ao descrever o comportamento de seus personagens de maneira profunda: ele cria referenciais, apresentando elementos do mundo real e, ao mesmo tempo, traz o enredo para os olhos do leitor. Em determinado ponto a ficção se confunde com os desejos de quem acompanha a historia, se vendo obrigado a torcer por este ou aquele desfecho.

O mexicano foi entrevistado pelo programa “Roda Viva” no dia 9 de julho do ano passado, e descreveu a literatura como umas das formas naturais de uma pessoa se vincular com o mundo. Para ele, o ato da leitura deve servir de instrumento para as pessoas se encontrarem com si mesmas, “um lugar onde elas devem se identificar com as histórias e seus personagens”.

A busca pelo envolvimento sentimental entre leitor e leitura parece ser a linha usada por Arriaga, e quando perguntado sobre o sentimento de escrever “El Búfalo de la Noche”, o autor respondeu: “Eu raramente choro na vida real, mas quando escrevia o “El Búfalo de la Noche”, me vi com a camiseta molhada e eram lágrimas. Estava chorando pelos meus personagens”.

Resta esperarmos até o mês de agosto, quando o autor estará na bienal do livro para conferirmos de perto a personalidade marcante do criador deste livro provocativo, capaz de tomar apenas um fôlego do leitor e prendê-lo por horas nas 248 páginas do universo paralelo de Manuel, Gregório e Tânia.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Inimigo Rumor


Revistas literárias são raras por aqui. Recentemente, conhecemos a versão brasileira da inglesa Granta, fundada em 1889 (isso mesmo!) por alunos da universidade de Cambridge.
Hoje estou aqui para contar sobre uma que é produto nacional e motivo para orgulho:
Em 2008, Inimigo Rumor completou dez anos e vinte números.

No começo, era publicada pela editora Sette Letras (atual 7Letras) e editada pelos poetas Carlito Azevedo Júnior e Júlio Castañon Guimarães. No primeiro número, de cara poemas inéditos de Haroldo de Campos, Sebastião Uchoa Leite, Armando Freitas Filho e Francisco Alvim. Não havia editoral. No site da Cosac Naify, Carlito Azevedo justifica essa ausência com sua certeza nos textos, que já serviam como uma apresentação ao público: "Confio bastante na capacidade dos poemas e dos ensaios selecionados, e na montagem final, dizerem o que tem que ser dito". Os autores e seus textos - não apenas brasileiros, vale lembrar - já justificavam e anunciavam a intervenção que a revista pretendia.

Com o tempo, veio o crescimento: no número 14, com a parceria da Cosac Naify, a tiragem triplicou: de 500 para 1.500 exemplares. Em dez anos, passaram pelas páginas da Inimigo Rumor autores como Ferreira Gullar, Antonio Candido e Walter Benjamim. E os assuntos não se restringem à poesia: há ensaios sobre artes plásticas, música, e até trabalhos fotográficos.

O nome da revista, à primeira leitura curioso, deriva do título de um livro do poeta, novelista e ensaísta cubano Lezama Lima, Enimigo Rumor. Para quem faz a revista, o nome foi e continua sendo uma definição de poesia. E para quem se interessa por literatura, vale conhecer tanto a revista quanto o livro. Boas leituras!

quinta-feira, 19 de junho de 2008

De catador à artesão, poeta, livreiro

Eloísa Cartonera é um projeto iniciado em Buenos Aires, que trabalha com cooperativas de catadores de papelão nas ruas da cidade. Os coordenadores do projeto compram o material arrecadado por um preço maior do que o de mercado, para que estas pessoas ganhem um incentivo e a possibilidade de inclusão social. Como a maioria dos envolvidos corresponde a jovens com idade inferior a 18 anos , então, a idéia é ensiná-los a confeccionar livros artesanais, a fim de serem vendidos com qualidade e a preços acessíveis.

Depois da Argentina, a idéia foi copiada na Cidade do México, no Peru e no Chile. Aqui em São Paulo, também existe um projeto similar chamado Dulcinéia Catadora. Para comprar os livros artesanais de escritores brasileiros e de outros latino-americanos, é só dar um pulinho no bar Mercearia São Pedro. O endereço: Rua Rodésia, 34 - Vila Madalena - São Paulo - SP. Telefone: (11) 3815-7200. Funciona de segunda a sábado, das 10h à 1h. Domingos, das 11h às 18h.

Agora, um vídeo de abril deste ano, com uma das coordenadoras do Dulcinéia Catadora, Lúcia Rosa, explicando sobre o projeto, durante a confraternização de lançamento do livro "Mentiras", de Floriano Martins:

Mais Borges

Droga, acabei entrando no clima borgiano. Vou colocar aqui uma das minhas poesias favoritas deste que é um dos maiores escritores do último século.


EL GOLEM - Jorge Luis Borges

Si (como el griego afirma en el Cratilo)
El nombre es arquetipo de la cosa,
En las letras de rosa está la rosa
Y todo el Nilo en la palabra Nilo.

Y, hecho de consonantes y vocales,
Habrá un terrible Nombre, que la esencia
Cifre de Dios y que la Omnipotencia
Guarde en letras y sílabas cabales.

Adán y las estrellas lo supieron
En el Jardín. La herrumbre del pecado
(Dicen los cabalistas) lo ha borrado
Y las generaciones lo perdieron.

Los artificios y el candor del hombre
No tienen fin. Sabemos que hubo un día
En que el pueblo de Dios buscaba el Nombre
En las vigilias de la judería.

No a la manera de otras que una vaga
Sombra insinúan en la vaga historia,
Aún está verde y viva la memoria
De Judá León, que era rabino en Praga.

Sediento de saber lo que Dios sabe,
Judá León se dio a permutaciones
de letras y a complejas variaciones
Y al fin pronunció el Nombre que es la Clave.

La Puerta, el Eco, el Huésped y el Palacio,
Sobre un muñeco que con torpes manos
labró, para enseñarle los arcanos
De las Letras, del Tiempo y del Espacio.

El simulacro alzó los soñolientos
Párpados y vio formas y colores
Que no entendió, perdidos en rumores
Y ensayó temerosos movimientos.

Gradualmente se vio (como nosotros)
Aprisionado en esta red sonora
de Antes, Después, Ayer, Mientras, Ahora,
Derecha, Izquierda, Yo, Tú, Aquellos, Otros.

(El cabalista que ofició de numen
A la vasta criatura apodó Golem;
Estas verdades las refiere Scholem
En un docto lugar de su volumen.)

El rabí le explicaba el universo
"Esto es mi pie; esto el tuyo; esto la soga."
Y logró, al cabo de años, que el perverso
Barriera bien o mal la sinagoga.

Tal vez hubo un error en la grafía
O en la articulación del Sacro Nombre;
A pesar de tan alta hechicería,
No aprendió a hablar el aprendiz de hombre,

Sus ojos, menos de hombre que de perro
Y harto menos de perro que de cosa,
Seguían al rabí por la dudosa
penumbra de las piezas del encierro.

Algo anormal y tosco hubo en el Golem,
Ya que a su paso el gato del rabino
Se escondía. (Ese gato no está en Scholem
Pero, a través del tiempo, lo adivino.)

Elevando a su Dios manos filiales,
Las devociones de su Dios copiaba
O, estúpido y sonriente, se ahuecaba
En cóncavas zalemas orientales.

El rabí lo miraba con ternura
Y con algún horror. ¿Cómo (se dijo)
Pude engendrar este penoso hijo
Y la inacción dejé, que es la cordura?

¿Por qué di en agregar a la infinita
Serie un símbolo más? ¿Por qué a la vana
Madeja que en lo eterno se devana,
Di otra causa, otro efecto y otra cuita?

En la hora de angustia y de luz vaga,
En su Golem los ojos detenía.
¿Quién nos dirá las cosas que sentía
Dios, al mirar a su rabino en Praga?

Entrevista com Jorge Luis Borges

Vale a pena fazer uma forcinha para entender o espanhol. Borges é sempre Borges.

sábado, 14 de junho de 2008

Mario Bellatin


Minha intenção é a de postar, no fim do mês de junho, a resenha de Salão de Beleza (1993), livro de Mario Bellatin.

Nascido no México, foi em Lima (Peru) que o escritor estudou Teologia e Ciências da Comunicação e, na década de 1990, publicou seus primeiros romances. Ele criou e dirige até hoje a Escola Dinâmica de Escritores, que fica na Cidade do México.

A única obra de Bellatin lançada aqui no Brasil é Salão de Beleza, que saiu em 2007 pela editora Leitura XXI, do Rio Grande do Sul. Para quem mora em São Paulo, pesquisa em várias livrarias e não encontra, a espera por um exemplar pode durar mais de dez dias.

Em março, o escritor coordenou uma oficina de criação literária para doze participantes, no Centro Cultural Barco, em São Paulo. O resultado dela foi um romance coletivo.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

O Passado - Resenha


Amor. É essa a medida para a passagem do tempo em “O Passado”. O amor de Rímini por Vera. Depois, sua paixão por Carmem. Em seguida, a relação com Nancy. São as divisões importantes dentro da história de “O Passado”, livro de Alan Pauls publicado no Brasil no ano passado. O miolo da história. O começo e o fim, porém, ficam por conta do romance de Rímini e Sofía – e é nessa relação que estão mergulhadas as demais, como se fosse uma espécie de sopa primordial de onde vêm todas as coisas.

Rímini e Sofía viveram uma paixão adolescente que acabou resultando em casamento. Doze anos depois, decidiram se separar. Deixaram para trás, além de um amor que até então tinha parecido eterno, um apartamento, móveis, amigos e uma caixa com centenas de fotografias – representações materiais do passado em comum com as quais nenhum dos dois sabe lidar.

Apesar do fim do casamento, o amor, para Sofía, é uma torrente contínua. Ela encara a separação como sendo apenas mais um capítulo do seu romance com Rímini, e não como o fim da relação. Mas o ex-marido não compartilha dessa opinião e passa a construir uma nova vida da qual Sofía já não faz parte. Parte imediatamente em busca de uma substituta, das quais a primeira é Vera, uma jovem modelo fotográfica.

Sofía, porém, não está disposta a cair no esquecimento. Se Rímini não lhe telefona e nem a procura, ela vai atrás dele e, em poucos mas intensos momentos, reaparece e impede que ele viva sem ela. A antagonista parece, às vezes, servir ao autor como recurso narrativo – um vilão que aparece de tempos e sacode a trama. A cada aparição sua, as consequências são trágicas para todos, e assim vai rodando a engrenagem do enredo para que surjam as duas substitutas seguintes, Carmem e Nancy.

O amor de Sofía por Rímini parece, em muitos momentos, ser doentio. Obcessivo. Mas, em outros, passa ao leitor a impressão de que ela só se empenha tanto em ter Rímini de volta porque não tem dúvidas de que o que sentem um pelo outro é absolutamente verdadeiro – missão, no final das contas, que tem o seu quê de nobreza.

Rímini, por sua vez, até se esforça em parecer menos obcecado que Sofía. Seu empenho é quase heróico em se separar daquela que é evidentemente a sua sina. Mas nada do que o protagonista faz consegue enganar o leitor, principalmente porque estamos atentos aos detalhes – por exemplo, quando decide usar cocaína, é em cima de um quadro de Sofía que Rímini coloca o pó.

Mesmo que Rímini e Sofía estejam separados fisicamente, nós nunca deixamos de perceber a linha inquebrantável que une os dois. Afinal, parece impossível que a história de ambos, repleta de experiências em comum que remontam às suas infâncias, encharcada com referências culturais como as feitas aos filmes "Rocco e Seus Irmãos" e "A História de Adèle H.", seja apenas mais um romance fracassado. E não somos só nós, os leitores, a pensar assim: os próprios amigos do casal se indignam com a separação deles e exigem sua reconciliação.

Outro denominador comum entre Rímini e Sofía é o pintor fictício Riltse, criador da igualmente fictícia “sick art” e ídolo da juventude do casal. Apesar de sua história – paralela à dos amantes – aparecer muitas vezes jogada entre capítulos, dando a impressão de que deveria ter sido publicada à parte, é um dos pontos altos do livro. O ápice do amor do casal é, aliás, fruto de um dos quadros do artista, pois é para vê-lo que ambos viajam à Europa, uma das experiências mais românticas que vivem juntos.

O final do livro – a retomada do amor entre os dois – também está ligado a Riltse: acontece após o fim do romance de Rímini com Nancy, quando ele enlouquece ao ver pendurado, na casa dela, um quadro de seu pintor favorito.

Com a reunião de Rímini e Sofía, somos levados a perceber que o tempo não precisa ser necessariamente linear. A história do amor dos dois indica que às vezes a passagem do tempo pode ser cíclica, e o passado de dois apaixonados pode ser também seu futuro, independentemente do que houver no meio. E Sofía estava certa, no final das contas: a separação é, para alguns apaixonados, apenas mais um capítulo na sua história de amor.

Panorama da literatura latino-americana

Está nas bancas o 7ª número da coleção Cadernos EntreLivros sobre literatura latino-americana, justamente o tema que estamos tratando desde o início do mês.

A revista apresenta já nas primeiras páginas uma cronologia casando os principais autores com os acontecimentos na América Latina. É uma análise dos autores e de suas obras -- com sinopses, perfis de personagens, traduções comparadas e mais.

O interessante em traçar um panorama dessa literatura é admitir um problema primordial, inerente aos autores latino-americanos e suas obras: qual é a limitação espacial? Ou, como diz o editorial:
O que chamamos de literatura latino-americana? Aqui, optamos pelos países de língua espanhola, ou melhor, cuja colonização foi feita a partir do México e que veio descendo até o sul, mesclando culturas nativas com a do colonizador, criando tensões indiscutíveis de identididade cultural.
Só para citar alguns nomes entre as dezenas de autores: Gabriela Mistral, Julio Cortázar, Carlos Fuentes, Manuel Puig, Octavio Paz, Roberto Bolaño.

Para quem estiver com preguiça de sair de casa, é possível comprar o exemplar (além de outros da coleção, sobre as literaturas inglesa, russa, americana, francesa, portuguesa e italiana) no site da editora Duetto.

El Bufalo de la Noche

Amigos, outro dia li um livro que me fez pensar um tanto.


O autor é o mexicano Guillermo Arriaga, roteirista premiado pelos filmes "21 gramas" e "Amores Brutos".

"O Búfalo da Noite" é um livro de um fôlego só. Se você começar a ler, tome cuidado, pois vai ser difícil parar. A vantagem é que se trata de um livro curto, de 248 páginas, e isso dá margem para a imaginção materializar o triângulo amoroso entre Manuel, Gregório e Tânia. Jovens que vivem na Cidade do México, mas poderiam viver em Buenos Aires ou São Paulo.

A descrição é tamanha que em certa parte começamos a torcer pelo desfecho dos personagens, pela identificação e atualidade da psique dos protagonistas.

Muitos ainda vão criticar, e podem até dizer se tratar de uma história à Sidney Sheldon ou Danielle Steel, mas o fato é que fiquei quatro horas seguidas preso no universo paralelo de Manuel Aguilera.

O filme foi lançado no ano passado, mas ainda não tive coragem de apagar da memória os meus Gregório, Tânia e Manuel. O último aliás é interpretado por Diego Luna, mas acho que o meu ainda deve ser melhor. Aguardem em breve uma resenha.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

O Passado

Até o final da semana posto a minha resenha do livro que baseou o filme O Passado, estrelado por Gael García Bernal.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Futebol é cultura

Desculpem o clichê, mas o Brasil é o país do futebol. Não há como negar. Para você - goste ou não do esporte - que ainda acha esse estereótipo raso demais, aí vai uma dica: Veneno Remédio - O futebol e o Brasil, do ensaísta, compositor, cantor, pianista, letrista (e, é claro, amante do futebol) José Miguel Wisnik.

Em suas 448 páginas, a obra traça paralelos interessantes como Pelé e Machado de Assis, Garrincha e Macunaíma, além de contar com a cordialidade de Sérgio Buarque de Holanda, a dialética da malandragem de Antonio Candido e os estudos de Gilberto Freyre.

Para aqueles que estranham o título do livro, Wisnik explica:
Veneno remédio é uma idéia contida na palavra grega "fármacon", poção que pode curar ou matar. É a força que revira em seu contrário, o mesmo que se transforma em outro, o avesso do avesso
Destaco os ensaios A catástrofe, o veneno da Copa de 50, e Pelé e Garrincha, o remédio oriundo da Suécia em 58. É o Brasil "vira-lata" de 1950 e o Brasil campeão do mundo em 1958.

domingo, 1 de junho de 2008

Nova fase - América Latina

A partir deste bimestre, o blog 68Letras passa a falar não mais de maio de 1968, mas de América Latina. Copiei da Wikipedia esta tabelinha, para começarmos a entrar no clima. Boa sorte a todos!

América Latina

Espanhol: América Latina
Francês: Amérique Latine
Inglês: Latin America
Holandês: Latijns-Amerika

Línguas oficiais Português, Espanhol, Francês (Haiti) e línguas indígenas.
Países
Área
- Total
2º maior1
cerca 21.000.000 km²
População
- Total (2006)
3º mais populoso1

548 milhões

PIB por Nominal
- Total (2006)
4º maior(depois do Nafta ,UE e Japão1
U$ 2.284.723.000.000
Fuso horário UTC -2 a -8
Organizações regionais: ALBA, ALCA, ALADI, ALLC, APEC, BID, CAN, Caricom, CEPAL, UNASUL, FLAR, G3, Mercosul, OECA, OECO, PARLATINO, PC, SEL.

 
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