domingo, 22 de junho de 2008

Leituras ecológicas

Los Inocentes: este é o nome do livro de Oswaldo Reynoso, de onde o projeto argentino Eloísa Cartonera extraiu e publicou os contos Cara de Ángel e Carambola. Ambos os títulos fazem alusão a personagens presentes na obra, que tem como tema principal o universo infanto-juvenil. São cinco contos no total. Sexo, anseio pela independência e a necessidade de firmar-se como “hombre muy macho” são as principais preocupações de Corsário, Natkinkón, Príncipe, Cara de Ángel, Calorete, Chino, Rosquita e Carambola.

Los Inocentes
foi lançado em 1961, no Peru, e causou grande escândalo na época. Oswaldo Reynoso, igualmente peruano, era professor do primário e as autoridades ligadas à educação do país não gostaram de ler meninos falando “gírias de rua” como adultos. Por isso, Reynoso quase foi impedido de continuar a carreira docente. Em Cara de Ángel, por exemplo, o protagonista homônimo usa o termo “vieja” para se referir à mãe e “pendejo”, “cochino”, “arrecha” (imbecil, porco trapaceiro e mulher apaixonante e sensual, respectivamente, em português), dentre outros nomes, para se designar aos colegas. Mas a descrição do universo imagético dos personagens, bem como a mistura da narração do autor com a do próprio personagem principal trazem ao texto a leveza e inocência necessárias para equilibrar os contos da obra.

Cara de Àngel é um menino franzino que sofre com a perseguição do colega de mesma turma, Colorete. Outra perturbação são as implicações constantes da mãe para com ele e o desejo que tem pelas colegas de classe, Gilda e Yuni. Através dos fluxos de consciência do personagem Oswaldo arremata a inocência infantil presente nos meninos que insistem agir como homens. “El semáforo es caramelo de mento: exquisitamente. Ahora, rojo: bola de billar suspendida em ela ire”.

Em certas passagens, a opção sexual é posta em xeque e, muito embora meninas sejam citadas ao longo da fábula, o autor joga nas mãos do leitor a responsabilidade e preocupação sentida pelos garotos ao se questionarem sobre o assunto: “(...) Los ojos de Colorete ya no tienen fúria, tienen um brillo estraño que asustan. Es el mismo brillo y la misma ansiedad que vio en los ojos de Gilda la noche que casi le toca las piernas. Cara de Ángel siente miedo desconocido y oscuro. Hay um vacío vertiginoso en el estómago, como si se estuviera em el último piso del Ministerio de Educación y el asfalto negro de la calle atrajera, irresistiblemente. Desesperadas las manos se prenden al pasto y grita. – Estás armado, mostacero de mierda! Déjame” – o autor descrevendo as impressões que Cara de Ángel tem com relação Colorete durante uma briga.

Na seqüência organizada pela edição compactada de Eloísa Cartonera: o conto Carambola. Neste, um garoto, também homônimo ao título, toma conselhos com seu admirador – um senhor jogador de sinuca chamado Choro Plantado.

Por ter menos que 18 de anos, Carambola aguarda na porta do bar o ansião terminar a partida, para convidá-lo para uma cerveja num outro local. Depois de questionamentos e trocas de conselhos, cada qual retoma seu caminho para casa, e, a história que poderia terminar com a maturidade do menino como pano de fundo é derrubada pelo monólogo de Choro Plantado: “Casi todas las chelfas son iguales. Pobre Carambola! Si supiera que su tal Alicia es más puta que una gallina. Todas lãs gilas son igualitas. Pobre Carambola!”. E assim, o garoto que aparentava ser maduro é desmascarado pela desilusão amorosa prevista pelo senhor, por conta do excesso de confiança que Carambola deposita na paixão por uma menina, que jura ser pura. Oswaldo mostra para o leitor que o personagem ainda é uma criança inocente.

Conforme citado no começo desta resenha, os textos sugeridos além de fazerem parte do livro Los Inocentes, de Oswaldo Reynoso, também estão em edição especial feita pelo projeto Eloísa Cartonera. Na versão deles a obra é intitulada apenas como “Cara de Ángel” e somente os dois contos comentados é que estão presentes – suficientes para conhecer o universo de Reynoso.

Novamente fazendo gancho com outra passagem minha, num post anterior, eu havia comentando sobre a versão brasileira do Eloísa Cartonera. Pois bem, Dulcinéia Catadora também publicou Cara de Ángel - com esta mesma grafia. Agora, Eloísa tem 101 livros em catálogo e Dulcinéia, 34.

Mais detalhes sobre os projetos: Elô ; Dulce

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