quinta-feira, 12 de junho de 2008

O Passado - Resenha


Amor. É essa a medida para a passagem do tempo em “O Passado”. O amor de Rímini por Vera. Depois, sua paixão por Carmem. Em seguida, a relação com Nancy. São as divisões importantes dentro da história de “O Passado”, livro de Alan Pauls publicado no Brasil no ano passado. O miolo da história. O começo e o fim, porém, ficam por conta do romance de Rímini e Sofía – e é nessa relação que estão mergulhadas as demais, como se fosse uma espécie de sopa primordial de onde vêm todas as coisas.

Rímini e Sofía viveram uma paixão adolescente que acabou resultando em casamento. Doze anos depois, decidiram se separar. Deixaram para trás, além de um amor que até então tinha parecido eterno, um apartamento, móveis, amigos e uma caixa com centenas de fotografias – representações materiais do passado em comum com as quais nenhum dos dois sabe lidar.

Apesar do fim do casamento, o amor, para Sofía, é uma torrente contínua. Ela encara a separação como sendo apenas mais um capítulo do seu romance com Rímini, e não como o fim da relação. Mas o ex-marido não compartilha dessa opinião e passa a construir uma nova vida da qual Sofía já não faz parte. Parte imediatamente em busca de uma substituta, das quais a primeira é Vera, uma jovem modelo fotográfica.

Sofía, porém, não está disposta a cair no esquecimento. Se Rímini não lhe telefona e nem a procura, ela vai atrás dele e, em poucos mas intensos momentos, reaparece e impede que ele viva sem ela. A antagonista parece, às vezes, servir ao autor como recurso narrativo – um vilão que aparece de tempos e sacode a trama. A cada aparição sua, as consequências são trágicas para todos, e assim vai rodando a engrenagem do enredo para que surjam as duas substitutas seguintes, Carmem e Nancy.

O amor de Sofía por Rímini parece, em muitos momentos, ser doentio. Obcessivo. Mas, em outros, passa ao leitor a impressão de que ela só se empenha tanto em ter Rímini de volta porque não tem dúvidas de que o que sentem um pelo outro é absolutamente verdadeiro – missão, no final das contas, que tem o seu quê de nobreza.

Rímini, por sua vez, até se esforça em parecer menos obcecado que Sofía. Seu empenho é quase heróico em se separar daquela que é evidentemente a sua sina. Mas nada do que o protagonista faz consegue enganar o leitor, principalmente porque estamos atentos aos detalhes – por exemplo, quando decide usar cocaína, é em cima de um quadro de Sofía que Rímini coloca o pó.

Mesmo que Rímini e Sofía estejam separados fisicamente, nós nunca deixamos de perceber a linha inquebrantável que une os dois. Afinal, parece impossível que a história de ambos, repleta de experiências em comum que remontam às suas infâncias, encharcada com referências culturais como as feitas aos filmes "Rocco e Seus Irmãos" e "A História de Adèle H.", seja apenas mais um romance fracassado. E não somos só nós, os leitores, a pensar assim: os próprios amigos do casal se indignam com a separação deles e exigem sua reconciliação.

Outro denominador comum entre Rímini e Sofía é o pintor fictício Riltse, criador da igualmente fictícia “sick art” e ídolo da juventude do casal. Apesar de sua história – paralela à dos amantes – aparecer muitas vezes jogada entre capítulos, dando a impressão de que deveria ter sido publicada à parte, é um dos pontos altos do livro. O ápice do amor do casal é, aliás, fruto de um dos quadros do artista, pois é para vê-lo que ambos viajam à Europa, uma das experiências mais românticas que vivem juntos.

O final do livro – a retomada do amor entre os dois – também está ligado a Riltse: acontece após o fim do romance de Rímini com Nancy, quando ele enlouquece ao ver pendurado, na casa dela, um quadro de seu pintor favorito.

Com a reunião de Rímini e Sofía, somos levados a perceber que o tempo não precisa ser necessariamente linear. A história do amor dos dois indica que às vezes a passagem do tempo pode ser cíclica, e o passado de dois apaixonados pode ser também seu futuro, independentemente do que houver no meio. E Sofía estava certa, no final das contas: a separação é, para alguns apaixonados, apenas mais um capítulo na sua história de amor.

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