Aliás, falando em quem se importa...
Come torta!
O protesto de literalmente milhares. Foto de Evandro Teixeira
De Militares no Poder até a Internet
"Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que se resseque a minha mão direita. Apegue-se-me a língua ao paladar, se não me lembrar de ti, se não preferir eu Jerusalém à minha maior alegria."O macaco tinha se esquecido da cidade sagrada, mas não conseguia olvidar aquele salmo. Olhava para as duas mãos peludas com uma sensação curiosa de medo, mas não de culpa. Havia abandonado a capital sagrada para engajar-se nas lutas de Paris, para enfiar-se nas trincheiras profanas da pólis da luz. "Meu filho, essa batalha nada tem a ver contigo, um macaco de Israel". "Querida mãe, a estrela de David brilha na Europa tão forte quanto brilha na Judéia; deixa-me ir, e prometo que volto". A macaca velha deixara -- as recentes conquistas da Guerra dos Seis dias tinham derretido o coração dela. E cá estava ele, nas margens do Sena afugentando pombos. Chegara tarde demais, os rebeldes já tinham sido reprimidos. Não encontrava em lugar algum os olhos brilhantes dos revoltosos. "Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém", murmurava com tom irônico, "que se resseque o meu coração, a minha alma e todo o mais, menos a minha mão, para que nela eu ainda possa usar meus anéis faustosos". Tinha se tornado um filósofo, de repente, embaixo das nuvens francesas, descansando na sombra de Notre Dame, a senhora dos cristãos. Mas sabia -- os melhores filósofos são os árabes. Seu melhor amigo, macaco companheiro de uma infância gostosa passada no Neguev, era hoje um dos sufistas mais notáveis de Teerã (seu pai tinha sido um leal servidor do império Otomano, porém, e detestava os mitos abássidas e os sussurros a respeito de Imanes Ocultos). O islamismo permitia algumas loucuras a que o cristianismo e o judaísmo já tinham se tornado imunes, percebia. Mas o racionalismo francês não era imune a nada, e tinha levado o império carolíngio àquela situação tenebrosa -- jovens trancafiados em casa enquanto os gorilas de De Gaulle marchavam livres nas ruas reurbanizadas. Não que na terra de David a coisa estivesse menos enegrecida. O gás lacrimogêneo dos judeus, na terra sagrada de Jerusalém, era a própria atmosfera, e nas pedras desgastadas do último muro (dádiva do Imperador Adriano!, que tinha poupado ao menos aquele pedaço de relíquia, maldito seja o romano) as lágrimas de gerações se misturavam há seculos. Um casal passou por ele carregando duas malas de mão -- explosivos? Seria possível que a resistência ainda estivesse articulada? Bobagem. O mundo já tinha voltado seus olhos para a crise da França, a luta, para os seculares, já tinha sido ganha. Era assim que se fazia, nos países modernos. Um macaco de Israel, aquela batalha nada tinha a ver consigo mesmo. Sua mãe não estava enganada. E a estrela de David não brilhava ali tão forte quanto na Judéia -- ela mal brilhava. Aquela Europa agressiva, que expulsara os judeus no século XV, aquele continente ingrato. "Se eu não me lembrar de ti, tu não te lembrarás de mim também", concluiu, sorrindo. Levantou-se, mergulhou no Sena e nadou contra a corrente até a nascente oculta do rio. Percorreu os lençóis freáticos misteriosos, conheceu a origem da água do mundo e, quando voltou à superfície, já estava no Mediterrâneo. Glória ao nome desconhecido! Embarcou, sem ser visto, em um barco pesqueiro no Adriático. Navegou clandestinamente até a Anatólia, onde parentes distantes o receberam e o encaminharam a Israel montado em um camelo, como um rei vitorioso. Chegou a tempo das celebrações em homenagem ao aniversário de um ano da guerra de expansão -- vitória de Israel. Já não se via árabe nenhum sorrindo nas ruas. Golã, Sinai, Jordânia. Quando entrou em casa, sua mãe o abraçou como já não esperasse vê-lo com vida. "Convertestes os francos?", perguntou-lhe? "Não, minha mãe, não converti ninguém. Mas descobri que sou apaixonado por Jerusalém e jamais me esqueci da cidade sagrada. Minhas mãos não se ressecarão, porque não há nenhuma alegria que eu prefira à ela", disse. Sorriram, os dois com lágrimas nos olhos. Rezaram 68 vezes pela glória de David e dos nomes desconhecidos de deus.
"O AI-5 foi feito à noite e havia uma reunião lá em casa, amigos. Ao ouvir o Ato lido pelo Gama e Silva nas televisões e nas rádios, percebi que a coisa estava mal parada. Chamei minha mulher: “Vai olhando tudo aí que eu vou dormir. Estou muito cansado e vou ser preso amanhã cedo”."Carlos Castello Branco, jornalista nascido no Piauí, foi um dos maiores jornalistas políticos de toda história brasileira. Passou pela Tribuna da Imprensa, Diário Carioca, Diarios Associados, mas ficou conhecido mesmo no Jornal do Brasil.
Reassumindo e incorporando a proposta antropofágica de Oswald de Andrade, ou seja, propondo-se a "deglutinação cultural", o Tropicalismo relativizou, como assinala Celso F. Favaretto, as posições antagônicas da época na realidade brasileira, quando se oscilava "entre a ênfase nas raízes nacionais e na importação cultural". Nesse sentido, caracterizou-se por uma dupla dimensão dialética e pretendeu ser, ao mesmo tempo, brasileiro e universal, sem qualquer preconceito estético, "apenas vivendo a tropicalidade". Esse propósito amplo, e de certa maneira vago, converteu-se numa ampla atitude de carnavalização, no sentido bakhtiano do termo. A esse traço, aliam-se, ainda como retomada da "antropofagia", pesquisa de técnicas de expressão, humor, atitude anárquica em relação aos valores da burguesia, a que não faltam o sarcasmo, o deboche, a ironia, o espirito de paródia, o cosmopolitismo estilístico. Representou também "uma apropriação da pop-art e da op-art americanas e das vanguardas brasileiras" e é tido por alguns críticos como manifestação da "estética do precário". Os anos 70 assinalam o declínio da atitude.
Chieko descobriu que as violetas floresceram no tronco do velho bordo.
Ah! Elas haviam florido naquele ano de novo, pensou ela diante da suavidade da primavera. O bordo era realmente grande para o pequeno jardim no meio da cidade, seu tronco mais corpulento que os quadris dela. Muito embora a superfície velha e áspera do tronco, coberta de musgo, não pudesse ser comparada a seu corpo jovem e delicado...
Na altura do quadril de Chieko, o tronco ligeiramente retorcido da árvore dobrava-se à direita, logo acima da cabeça dela. A partir dessa dobra, numerosos galhos se estendiam em todas as direções e dominavam o jardim. As extremidades dos longos ramos pendiam um pouco devido ao próprio peso.
Logo abaixo da dobra parecia haver duas pequenas cavidades, e em cada uma delas cresciam violetas que floriam a cada primavera. Pelo que se lembrava Chieko, aqueles dois pés de violeta sempre estiveram ali.
Trinta centímetros separavam as violetas de cima das de baixo. Chieko, que chegava à plenitude da mocidade, às vezes perguntava a si mesma se elas se encontrariam algum dia. Será que se conheciam?, pensava ela.
O que significaria, entretanto, "encontrar-se" e "conhecer-se" para as violetas? Floriam três, quando muito cinco, a cada primavera, não mais que isso. Apesar de tudo brotavam e desabrochavam todo ano naquelas pequenas cavidades da árvore. Chieko contemplava-as da varanda, ou junto ao bordo, e, por vezes, sentia-se comovida pela "vida" das violetas sobre a árvore, ou se sensibilizava com a "solidão" delas.